Por Escrito
- 10 de agosto de 2017
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Quem tem medo da morte?
Por Américo Marques Ferreira
Em minha infância tive muito medo da morte.
Creio que este sentimento foi inicialmente instalado por um hábito que meu pai cultivou de visitar um cemitério em Santos (SP), no dia de finados, a fim de prestar homenagem a seus pais e sua irmã que ali haviam sido sepultados.
Para cumprir tal ritual ele levava a família inteira, quando ainda éramos crianças. Era um programa enfadonho, principalmente levando-se em conta o clima quente da baixada santista no mês de novembro, invariavelmente agravado pelo calor das velas queimando, cujo odor se misturava com o das flores, resultando num cheiro que até hoje eu associo com morte.
Para passar o tempo, eu e meus três irmãos ficávamos correndo entre os túmulos, observando as fotos, datas de nascimento e de morte, bem como, as mensagens escritas. Um dos epitáfios que me provocou calafrios tinha a seguinte teor: “Eu fui quem tu és... tu serás quem eu sou”.
O segundo acontecimento que me colocou em confronto com esta realidade, foi a morte por afogamento de um amiguinho da igreja, com apenas 12 anos. Com esta idade dificilmente pensamos que podemos morrer daí eu ter ficado arrasado com o ocorrido. Durante o velório, meu pai, notando minha tristeza, pronunciou uma frase que me deu consciência desta possibilidade: “é meu filho, pra morrer basta estar vivo”.
À medida que fui crescendo, continuei lidando mal com mortes e velórios, a ponto de ficar surpreso com o fato de que pessoas pudessem fazer disto uma profissão, como os que trabalhavam em funerárias, em cemitérios e hospitais.
Mal sabia eu que um dia também viria a atuar profissionalmente nesta área.
Na década de 60, aos 22 anos, fui trabalhar no serviço social da Volkswagen, tendo como uma de minhas funções providenciar enterros de funcionários e oferecer suporte às famílias enlutadas. Em tom de brincadeira, meus colegas me chamavam de “Dom Coveiro”. Em um ano providenciei 16 enterros, nas mais diversas situações.
Um dos fatos ocorridos naquele ano se revestiu de extrema tragicidade. Num domingo à tarde, durante uma partida de futebol no Morumbi, um pedaço da marquise de concreto se deslocou em decorrência de um raio, vindo a atingir a um grupo de torcedores, dentre os quais, um funcionário da Volkswagen.
Apesar de prontamente socorrido, ele veio a falecer por fratura do crâneo, tendo sido o seu corpo removido para o Instituto Médico Legal de São Paulo.
Avisado do fato no dia seguinte, me dirigi ao IML para tomar as providências necessárias. Como sempre fazia em tais circunstâncias, consultei o prontuário daquele funcionário para saber das condições de sua família.
Chegando ao local solicitei informações sobre a liberação do corpo daquele colega. Foi então que um funcionário do IML me informou que também estava ali pelo mesmo motivo, como representante do São Paulo FC - o Sr. Vicente Feola, que foi técnico da seleção brasileira de futebol, campeã do mundo em 58.
Ao me apresentar ao Sr. Feola, identifiquei-me como funcionário da Volkswagen, esclarecendo que todas as providências referentes ao funeral seriam tomadas por nossa empresa. Ele então me disse que o São Paulo FC também gostaria de prestar uma homenagem àquele torcedor envolvido em tão lastimável tragédia.
Aproveitei, então para comentar que o referido torcedor havia deixado, além da viúva, dois filhos pequenos e que não haveria melhor homenagem à sua memória do que oferecer uma bolsa de estudos para cada filho até o grau universitário. Ele achou boa a ideia e, posteriormente, tomei conhecimento, por intermédio da viúva, que o São Paulo FC havia concedido as citadas bolsas de estudos.
Lições aprendidas
Trabalha como se vivesses para sempre. Ama como se fosses morrer hoje. (Sêneca)
Como não temos a menor ideia sobre o estoque de batidas do nosso coração daqui para frente, que tal vivermos cada dia como se fosse o último, até porque, qualquer dia desses vai ser mesmo.
Morte quer dizer viagem, transferência ou qualquer coisa com cheiro de eternidade. (Luiz Gonzaga Pinheiro).
Inscrição em um portão de cemitério:
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
(Mario Quintana)
A única coisa tão inevitável quanto à morte é a vida. (Charles Chaplin)
Ainda que eu andasse pelo vale da sobra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo. (Salmo de Davi)
Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, mesmo que morra viverá. (Jesus Cristo, em João 11: 25)
• Américo Marques Ferreira é sociólogo e assistente social. Membro da Comunidade Crista Boas Novas, em São Paulo, é sócio consultor da AMF PARCERIA e coach de executivos.
Photo by Erik-Jan Leusink on Unsplash.
Em minha infância tive muito medo da morte.
Creio que este sentimento foi inicialmente instalado por um hábito que meu pai cultivou de visitar um cemitério em Santos (SP), no dia de finados, a fim de prestar homenagem a seus pais e sua irmã que ali haviam sido sepultados.
Para cumprir tal ritual ele levava a família inteira, quando ainda éramos crianças. Era um programa enfadonho, principalmente levando-se em conta o clima quente da baixada santista no mês de novembro, invariavelmente agravado pelo calor das velas queimando, cujo odor se misturava com o das flores, resultando num cheiro que até hoje eu associo com morte.
Para passar o tempo, eu e meus três irmãos ficávamos correndo entre os túmulos, observando as fotos, datas de nascimento e de morte, bem como, as mensagens escritas. Um dos epitáfios que me provocou calafrios tinha a seguinte teor: “Eu fui quem tu és... tu serás quem eu sou”.
O segundo acontecimento que me colocou em confronto com esta realidade, foi a morte por afogamento de um amiguinho da igreja, com apenas 12 anos. Com esta idade dificilmente pensamos que podemos morrer daí eu ter ficado arrasado com o ocorrido. Durante o velório, meu pai, notando minha tristeza, pronunciou uma frase que me deu consciência desta possibilidade: “é meu filho, pra morrer basta estar vivo”.
À medida que fui crescendo, continuei lidando mal com mortes e velórios, a ponto de ficar surpreso com o fato de que pessoas pudessem fazer disto uma profissão, como os que trabalhavam em funerárias, em cemitérios e hospitais.
Mal sabia eu que um dia também viria a atuar profissionalmente nesta área.
Na década de 60, aos 22 anos, fui trabalhar no serviço social da Volkswagen, tendo como uma de minhas funções providenciar enterros de funcionários e oferecer suporte às famílias enlutadas. Em tom de brincadeira, meus colegas me chamavam de “Dom Coveiro”. Em um ano providenciei 16 enterros, nas mais diversas situações.
Um dos fatos ocorridos naquele ano se revestiu de extrema tragicidade. Num domingo à tarde, durante uma partida de futebol no Morumbi, um pedaço da marquise de concreto se deslocou em decorrência de um raio, vindo a atingir a um grupo de torcedores, dentre os quais, um funcionário da Volkswagen.
Apesar de prontamente socorrido, ele veio a falecer por fratura do crâneo, tendo sido o seu corpo removido para o Instituto Médico Legal de São Paulo.
Avisado do fato no dia seguinte, me dirigi ao IML para tomar as providências necessárias. Como sempre fazia em tais circunstâncias, consultei o prontuário daquele funcionário para saber das condições de sua família.
Chegando ao local solicitei informações sobre a liberação do corpo daquele colega. Foi então que um funcionário do IML me informou que também estava ali pelo mesmo motivo, como representante do São Paulo FC - o Sr. Vicente Feola, que foi técnico da seleção brasileira de futebol, campeã do mundo em 58.
Ao me apresentar ao Sr. Feola, identifiquei-me como funcionário da Volkswagen, esclarecendo que todas as providências referentes ao funeral seriam tomadas por nossa empresa. Ele então me disse que o São Paulo FC também gostaria de prestar uma homenagem àquele torcedor envolvido em tão lastimável tragédia.
Aproveitei, então para comentar que o referido torcedor havia deixado, além da viúva, dois filhos pequenos e que não haveria melhor homenagem à sua memória do que oferecer uma bolsa de estudos para cada filho até o grau universitário. Ele achou boa a ideia e, posteriormente, tomei conhecimento, por intermédio da viúva, que o São Paulo FC havia concedido as citadas bolsas de estudos.
Lições aprendidas
Trabalha como se vivesses para sempre. Ama como se fosses morrer hoje. (Sêneca)
Como não temos a menor ideia sobre o estoque de batidas do nosso coração daqui para frente, que tal vivermos cada dia como se fosse o último, até porque, qualquer dia desses vai ser mesmo.
Morte quer dizer viagem, transferência ou qualquer coisa com cheiro de eternidade. (Luiz Gonzaga Pinheiro).
Inscrição em um portão de cemitério:
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
(Mario Quintana)
A única coisa tão inevitável quanto à morte é a vida. (Charles Chaplin)
Ainda que eu andasse pelo vale da sobra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo. (Salmo de Davi)
Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, mesmo que morra viverá. (Jesus Cristo, em João 11: 25)
• Américo Marques Ferreira é sociólogo e assistente social. Membro da Comunidade Crista Boas Novas, em São Paulo, é sócio consultor da AMF PARCERIA e coach de executivos.
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